Hiperplasia Adrenal Congênita
A Associação Brasileira Addisoniana tem o objetivo de esclarecer com linguagem simples e não médica às famílias e aos portadores de Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) sobre as características dessa patologia, a partir de experiências reais de portadores e pais de crianças com HAC de todos os tipos. Todas as informações aqui colocadas têm fundamento científico e o texto final foi revisado por médicos endocrinologistas conceituados e respeitados mundialmente sobre esse assunto. Quando se procura na internet sobre HAC, muitos artigos de Doença de Addison se misturam, para entender as suas diferenças e semelhanças cabe aqui uma explicação:
Ambas são doenças que causam insuficiência adrenal, a diferença está na causa desses
sintomas. Na HAC os pacientes nascem com a doença e seus sintomas aparecem
logo nos primeiros dias de vida. Na Doença de Addison, se desenvolve geralmente
na vida adulta e é adquirida por alguma outra condição (infecção, inflamação,
autoimunidade, cirurgia...) A semelhança entre ambas está justamente no
tratamento, que é o mesmo para as duas doenças, raras e de difícil diagnóstico
e podem levar a morte se não identificadas e tratadas adequadamente.
A Doença de Addison é mais rara que a HAC e devido as nossas necessidades
equivalentes e objetivos comuns estamos unidos para sermos mais fortes na luta
por acesso a medicações, tratamento e benefícios a que temos direito.
O que é a Hiperplasia Adrenal Congênita?
Para entender a doença é importante compreender o real significado desse nome:
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HIPERPLASIA: significa aumento do crescimento
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ADRENAL: se localiza sobre os rins (Ad-Renal: justaposta ao rim) e também é chamada de Glândula suprarrenal. É responsável pela produção de vários hormônios indispensáveis à vida e que também defendem nosso corpo em situações de perigo e estresse físico:
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Adrenalina, Cortisol, Aldosterona e hormônios sexuais (Testosterona).
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CONGÊNITA: nome dado à toda doença que teve sua origem no nascimento, ou seja, foi herdada da genética dos pais.
Então, Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC) significa: “aumento do crescimento da glândula adrenal de nascença".
Tipos de HAC
Forma Clássica: Esse é o tipo que apresenta os sintomas de insuficiência adrenal já no nascimento. Na última década no Brasil esta doença esta inserida nos exames do Teste do Pezinho.
Ela se divide em dois tipos:
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Forma Clássica Perdedora de Sal: É a forma mais comum e mais grave, acomete aproximadamente 70% das crianças com HAC, como a secreção de aldosterona é mínima, perde-se sal, o que leva à hiponatremia, hiperpotassemia e maior atividade da renina plasmática, evoluindo para uma rápida desidratação e perda de peso.
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Forma Clássica Virilizante Simples: Nos pacientes do sexo feminino, as suas genitálias (órgão sexual) são virilizadas (masculinizadas) - essa modificação estética acontece ainda dentro do útero da mãe e, ao nascimento, pode parecer que a criança é do sexo masculino, apesar de não possuir testículos e apresentar em exame ultrassonográfico a presença de útero e ovários. A síntese de cortisol é prejudicada, o que resulta em maior atividade de androgênios, mas há atividade enzimática suficiente para manter a produção de aldosterona em níveis normais ou apenas ligeiramente diminuídos.
Não Clássica: Nesse tipo de HAC os sintomas não aparecem logo ao nascimento, podem se manifestar na infância, adolescência ou fase adulta e são menos complicados que os sintomas do tipo clássico.
Sintomas
Nas pessoas com HAC sua produção de cortisol é insuficiente e por isso precisa ser reposto através de medicamentos que substituem a falta do cortisol (hidrocortisona e/ou acetato de cortisona).
Nos pacientes com HAC forma clássica perdedora de sal, os pacientes também têm alterada a produção de outro hormônio muito importante para a manutenção da vida: a aldosterona, ela controla a quantidade de água e minerais (sódio e potássio) do nosso corpo, sem ela perdemos sal na urina e desidratamos rapidamente.
Em casos perdedores de sal a reposição do hormônio aldosterona insuficiente é feito através de medicação (fludrocortisona) e a complementação do sódio através da ingestão de sal de cozinha por bebês na fase de amamentação. Depois que começam a se alimentar de comida salgada, o sal das refeições é suficiente para a reposição adequada.
Considerando que os hormônios cortisol e aldosterona são fundamentais para a manutenção da vida, se a doença não for diagnosticada a tempo os pacientes morrem.
Para evitar que isso aconteça é importante a coleta do teste do pezinho , disponível em praticamente todos os estados brasileiros. (Falaremos sobre ele em um tópico específico).
Na ausência do teste do pezinho, o diagnóstico da HAC em meninas com a forma Virilizante Simples pode ser feito mais precocemente por conta da evidente alteração da genitália, que ocorre por excesso de testosterona, mas nos meninos o diagnóstico pode ser mais tardio, pois os efeitos do excesso do hormônio testosterona (virilização) não são tão percebidos. Contudo, o Teste do Pezinho é capaz de diagnosticar essa forma de HAC também.
Porque a pele escurece e os genitais se virilizam?
A HAC é uma doença genética que dependendo do grau de comprometimento pode se manifestar dentro da barriga da mãe. O feto ao ser concebido já tem a carga genética definida como sendo do sexo masculino ou feminino, o que vai desenvolver os órgãos genitais externos da criança é a presença dos hormônios sexuais presentes no bebê.
A glândula adrenal é responsável também pela produção dos hormônios sexuais androstenediona e testosterona. Como a produção do cortisol está reduzida, o cérebro aumenta a produção de um hormônio chamado ACTH que estimula o aumento da produção dos hormônios adrenais, com isso por defeito genético o cortisol não aumenta a sua produção, mas os hormônios sexuais sim. Isso explica porque o pênis do menino com HAC é ligeiramente aumentado ao nascimento e as meninas apresentam características masculinizadas em seus genitais por conta do excesso de produção de testosterona ainda dentro da barriga da mãe e quando nascem.
Dependo do grau de comprometimento da genitália, precisam da confirmação sexual por meio de exames genéticos (cariótipo) ou clínicos (ultrassom) para comprovação biológica do gênero masculino ou feminino antes do registro no cartório civil. É muito importante que todo bebê com aspecto genital masculino tenha os testículos palpáveis na bolsa escrotal. Uma genitália de aspecto masculino sem testículos palpáveis deve ser investigada para HAC.
A pele escurecida é explicada pelo aumento do hormônio ACTH (Hormônio adrenocorticotrófico) como o nome diz ele é responsável pela estimulação da adrenal a produzir cortisol. Ele tem composição semelhante a melanina, que dá pigmentação à pele, como sua produção está exagerada na corrente sanguínea a pele fica escurecida. Sinais de falta de cortisol podem ser mais percebidos com escurecimento das dobras das mãos, de cicatrizes, da gengiva e da própria genitália.
A perda de peso rápida logo após ao nascimento é resultado da falta de cortisol e aldosterona que causam a rápida desidratação e levam os bebês às crises de perda de sal.
O prognóstico da doença está diretamente relacionado ao diagnóstico precoce, adesão correta ao tratamento, uso diário de medicações, acompanhamentos periódicos com o endocrinologista e cuidados especiais em casos de estresse físico.
Atipia Genital
O grau de ambiguidade da genitália esta diretamente relacionado à falta de cortisol e o excesso da produção de testosterona. Pode se apresentar na menina apenas com aumento do clítoris (virilização leve) até uma genitália de aspecto masculino, sem testículo palpável (e com órgãos internos femininos).
O Dr. Andrea Prader, endocrinologista pediátrico suíço, desenvolveu nos anos 50 (Prader, A. 1954) uma escala de virilização, denominada escala de virilização de Prader.
Escala de virilização de Prader
Tratamento
Os objetivos gerais do tratamento da HAC são suprir as deficiências dos hormônios afetados pela deficiência dos hormônios (cortisol e aldosterona) a fim de prevenir a crise de insuficiência adrenal e reduzir o excesso dos esteroides androgênicos.
Desta forma é possível prevenir a perda de sal e promover crescimento e puberdade adequados, com preservação do potencial de altura final. Deve-se , no entanto, evitar o excesso de glicocorticóide (hidrocortisona ou prednisona) no tratamento da doença. O tratamento é indicado para todos os pacientes com a forma clássica da doença.
Na infância deve-se dar preferência aos glicocorticóides de curta ação por via oral, hidrocortisona, o recomendável é diluir um comprimido macerado em pequena quantidade de líquido imediatamente antes da administração. Infelizmente, a formulação é em forma de comprimidos e exige esse cuidado com a diluição. Além disso, outra dificuldade é a falta de comercialização da medicação no Brasil, requerendo seu preparo em farmácias de manipulação, o que pode levar a problemas de controle de qualidade com potencial de alterar a eficácia.
Para os portadores da forma clássica perdedora de sal, o tratamento inclui além da reposição de glicocorticóide, a reposição de mineralocorticóide (fludrocortisona).Para as crianças em aleitamento materno exclusivo ou em uso de fórmulas infantis, é essencial a oferta de cloreto de sódio (sal de cozinha) diluído em água e oferecido entre as mamadas. A quantidade de sódio no leite materno/fórmulas é insuficiente para suprir a demanda desses pacientes.
Os pacientes e familiares deverão ser orientados sobre a prevenção, reconhecimento dos sintomas e as modificações do tratamento durante situações de estresse. Se a ingestão oral não estiver comprometida, durante situações de estresse (ex: temperatura > 37,5ºC, cirurgia, grande trauma), a dose do glicocorticóide deverá ser duplicada ou triplicada enquanto durar o estresse (quadros infecciosos ou inflamatórios, pequenos procedimentos). Se a ingestão oral estiver comprometida, deverá ser administrado hidrocortisona endovenosa ou intramuscular. A dose da fludrocortisona não necessita ser aumentada em situações de estresse. Os pacientes e cuidadores deverão ser instruídos sobre uma identificação da doença, como o uso de um cartão, pulseira ou colar de identificação descrevendo que eles fazem uso crônico de corticoterapia devido à HAC. Além disso, deve haver alerta para atendimento prioritário em situações emergenciais.